Localizadas no subterrâneo dos prédios, as caves parisienses são propriedades privadas que pouco se nota ao caminhar pelas ruas da cidade.  Ligadas por corredores e acessadas geralmente por uma escada, não é possível ter ideia da dimensão dessas estruturas. É o local onde você encontra caixas de papelão usadas, garrafas vazias, utensílios de cozinha de outra época, todos os tipos de objetos mais ou menos quebrados, que se tornaram inúteis. É um lugar secreto, sobre o qual não se fala muito, sujo e cheio de coisas abandonadas e esquecidas e, ao mesmo tempo, pode-se guardar alimentos ou objetos preciosos, tanto quanto recordações.  A cave, ou porão, abriga testemunhas de nossos vínculos com o passado, o segredo de nossas personalidades íntimas. Em tempos de guerra, também é  refúgio de fugitivos e clandestinos.
“Subterrâneo Inconsciente” se debruça sobre esse universo tão específico e quase esquecido, e  investiga mais que esse espaço físico das moradias. Busca retratar quem são seus habitantes e seus imaginários por meio desses lugares de depósito.
Segundo o filósofo francês Gaston Bachelard em  "A Poética do Espaço", há um sentido em considerar a casa como um instrumento de análise e reconhecimento da alma humana, dos seus sonhos concretos, seus desejos e emoções. Não somente as nossas lembranças, como também nossos esquecimentos estão alojados na memória dos espaços onde crescemos, nos criamos e habitamos. A ideia de habitar transcende o alojamento do nosso corpo físico e se derrama sobre os lugares onde habitam os devaneios e pensamentos do nosso inconsciente.  A imagem da casa se torna a topografia do nosso ser íntimo,  com espaços que representam o refúgio de emoções - sótão, porão, corredores. O sótão corresponde a elevação espiritual e o porão ao inconsciente. Essa leitura de Bachelard teve forte ressonância na abordagem do projeto.
A “casa”, assim, vira o elemento motriz de unificação e integração do homem frente a um universo de dispersão dos sonhos, das lembranças e do pensamento do ser humano, reflexão do mundo exterior e do interior, constituinte de um imaginário capaz de explicitar o conjunto de espaços oníricos resguardados pela nossa memória.
Daniel Salum
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